Grácio Editor

12,00 

Gota de orvalho

978-989-96375-3-5
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Gota de orvalho  é uma obra de ficção que faz jus ao provérbio africano «o coração é água profunda que esconde coisas desconhecidas».  A construção do desconhecido acontece, nesta obra de ficção, pelo cruzamento de histórias e lances inesperados no xadrez vivencial. Raquel, presente ou ausente, está no centro da narrativa, a qual é também tecida pelos ecos que soam e que compelem a memória a transformar os fragmentos caleidoscópicos das recordações em imagem de identidade. Estamos, pois, perante uma ficção sobre o desassossego e a procura, sendo estas ideias o centro da descrição possível da própria vida, de cada vida. Nesta, a nitidez das imagens e o reconto das experiências andam sempre de mão dada com o misterioso e o enigmático.

Apresentação da obra por Rui Grácio

Boa tarde

O meu nome é Rui Grácio e sou o editor deste mais recente livro da Luisete, uma obra de ficção intitulada «Gota de Orvalho».
Queria começar por agradecer à Câmara Municipal da Figueira da Foz pela cedência do auditório em que nos encontramos para fazer a apresentação do livro e queria agradecer também a todos a vossa comparência nesta sessão de lançamento.
Cabe-me também, hoje, apresentar a obra.
A minha tarefa é dupla: por um lado, devo falar-vos do livro sem vos revelar o seu conteúdo, ou pelo menos, revelando apenas os aspectos essenciais para que as minhas palavras possam suscitar a curiosidade da vossa leitura da obra. Por outro lado, procurar ser isento e imparcial na análise relativamente aos laços de amizade que tenho o privilégio de ter com a autora.
Por isso optei também por uma dupla estratégia. Irei apresentar um pequeno texto de apresentação que elaborei para o efeito, nela deixando-vos a minha leitura da obra e salientando, naturalmente, os aspectos que mais me tocaram.
Depois disso, vou vestir o fato do entrevistador e colocarei algumas questões à autora sobre o livro.
Antes desta obra, a Luisete publicou três livros na área infanto-juvenil: «A mulemba» (2005), «O moleque das barrocas» (2007) e «No reino das Maravilhas» (2009).
As duas primeiras obras foram ilustradas pela própria autora que, como provavelmente saberão, se dedica também à pintura e participou já em várias exposições, e a última contou com as ilustrações de Fernando Saraiva.
Tem feito também inúmeros encontros com os leitores na biblioteca municipal, nas escolas da Figueira da Foz e em várias outras escolas do país.
O seu gosto pela escrita não se separa assim do gosto de partilhar e promover o crescimento dos mais jovens pela leitura, dando assim continuidade a uma vida profissional dedicada ao ensino.
Talvez a edição do presente livro não esteja totalmente dissociado do final deste percurso que a Luisete fez como professora e a nova etapa de vida que agora abraça.
Digo isto porque, entre outras coisas, encontro um traço de balanço reflexivo na maneira como este livro é construído.
Em primeiro lugar, e apesar da narrativa ter a sua linearidade, o que ressalta dela são os constantes ecos que distanciam o leitor dessa linearidade e o fazem entrar num plano reflexivo sobre o sentido, ou a carência dele, que atravessa o caminho sinuoso da vida.
Quando falo em ecos, assumo que a autora coloca a vida sob o signo do enigmático, do problemático, da finitude e até de uma certa condição errante que muitas vezes nos faz sentir desterrados.
Dou exemplo de dois desses ecos: a tirania da velocidade (escreve a autora, a dado momento, «Trezentos e sessenta e cinco dias vividos à velocidade de todos os desastres» (p. 39) que nos torna caducos e fora do prazo em plena existência (mas «recicláveis», dizem para nos aliviar) e a emergência dum pragmatismo que tudo vê como meios e se esquece dos fins.
E quem diz fins, diz valores ou a sua falta de consistência actual.
Não quero com isto retomar o cliché da crise de valores. Se li bem a Luisete, a crise é do humano, e quem diz valores humanos diz afectos e o sentido que eles fomentam. É a falha deste reduto — que a Luisete coloca como único meio de resistência à degenerescência e à doença, no fundo, como a verdadeira questão da sobrevivência — que hoje nos falha.
No caminho que actualmente seguimos, talvez surjam um dia empresas de certificação de afectos.
Mas o tudo querer normativizar e promover segundo a quadrícula dos conhecimentos e das explicações científicas é destituir o homem da sua tarefa essencial: o de ser capaz de se humanizar pela construção de um equilíbrio que a cada um incumbe estabelecer e que nunca pode vir de fora para dentro.
Ter confiança em si próprio, encontrar o seu caminho, não é algo que se possa comprar: tem de ser conquistado por um esforço de autonomização, de independência, de ousadia de pensar e de se preservar na unicidade que nos é reservada.
Ora é esse apelo da voz própria que está sempre presente em Raquel, a protagonista desta ficção.
Ela é professora, mas é também trave mestra de uma família que vive os seus episódios e dificuldades.
É uma espécie de guardiã dos laços afectivos que escoram a nossa resistência às agruras da vida, alguém que diz presente mesmo quando não tem solução ou quando tem dúvidas.
E muitas tem, de facto, mas não quanto à sua comparência relativamente aos outros.
E, mais precisamente, quando se trata de dar aquilo que não é possível comprar ou iludir por manobras dispersivas.
O que não serve apenas para o momento mas que deixa o lastro da curiosidade, da motivação e do sonho. O que deixa o calor do afecto, da proximidade e da incondicionalidade.
Raquel é assim. Só sabemos dela, nesta obra, pela comparência que permanente, mas discretamente, tem sempre junto dos outros, seja dos netos, seja da filha Márcia, seja do marido ou dos alunos.
Mas podemos lê-la nos seus sempre determinados pequenos grandes gestos e nos ecos que escuta para tentar organizar as suas próprias inquietudes.
A fragilidade da sua condição é dada pelo nome da obra: «Gota de orvalho». A grandeza desta fragilidade é a força do coração e é por isso que na contracapa do livro se pode ler uma feliz referência a um provérbio africano que diz «o coração é água que esconde coisas desconhecidas».
A propósito deste provérbio, e da metáfora que ele apresenta ao falar do coração como água, talvez não seja errado dizer que existe nesta obra uma ligação do humano com a natureza e, especialmente, com os cenários da praia e do mar.
É junto do mar que algumas das personagens se recolhem para reflectir e se buscarem a si mesmas.
É junto do mar que elas «lavam a alma».
É também o mar e o entrar pelo mar adentro que por vezes assinala a linha entre a existência e o fim da existência.
O mar aparece também como o lugar de travessias (e, no decorrer da leitura percebemos que na vida da protagonista essa travessia representou uma mudança profunda — ainda que a paisagem de África permaneça sempre na memória).
E é ainda um elemento ligado à rede semântica das coisas marítimas — a concha — que representa simbolicamente a interioridade de cada um e, simultaneamente, o carácter enigmático do destino individual. Esta importância torna-se nítida no último capítulo da obra.
Na primeira parte do livro sente-me com maior intensidade um certo grito de indignação e de revolta com o mundo.
Todo se tornou tão contingente e volátil que a incerteza verteu o seu ácido sobre o futuro.
O simples e clássico tema de redacção «o que gostarias de ser no futuro?», proposto a uma turma, parece já não fazer parte das nossas respostas esperançosas.
E mesmo quando, na ingenuidade de quem ainda quer ser tudo, uns respondem que querem ser top model e outros médicos, Raquel teme silenciosamente, no aquém do seu sorriso generoso, pelo destino trágico de tais sonhos.
A amargura desta consciência trágica não é todavia suficientemente forte para se sobrepor à perseverança, e Raquel anima, motiva e dá força, a força do seu interesse, da sua solidariedade, do seu bem querer. A gota de orvalho permanece.
O mesmo acontece na sua relação com a sua filha Márcia, que por vezes cai no buraco negro da desistência.
Mas o olhar precisa de luz para ver, e há que erguer a cabeça para recuperar a visão. É essa, sempre, a atitude de Raquel.
Mas Raquel está numa espécie de contracorrente com o mundo e as formas de vida e dos paradoxos que este impõe: cada vez mais se comunica, mas cada vez menos se dialoga; cada vez mais se fala de respeito pelas diferenças e cada vez o mundo se uniformiza numa estranha mesmidade global; cada vez mais se fala e valoriza a oralidade, mas é na escrita que está o lastro do crescimento pessoal; cada vez mais as pessoas precisam de laços de cumplicidade, mas cada vez vivemos a procurar a realidade nos os ecrãs. E, ao olhar para eles, é o olhar do outro que perdemos.
Esvaziados do calor dos afectos e da espontaneidade da relação com os outros os sonhos tendem a transformar-se em fantasmas e os pequenos grandes gestos do amor tendem a converter-se numa miragem.
Quem melhor espelha esta situação de incómodo e de desadaptação sofrida à vida é Márcia, cujo coração clama uma atenção que tarda em chegar e cuja ausência de conforto conjugal foi deixando marcas no seu desinquietado espírito.
Mas a fertilidade está lá, e a sua sensibilidade reage à convidativa oferta de uma flor ou de outros pequenos grandes actos de interesse. Como se desenrolará este episódio? A autora deixa ao leitor a resposta, ou a continuação deste cenário.
Escreve a dado momento «Os amantes colocam-se de novo no trilho. Deram corda aos seus corações que os conduzirão a novas estações. Chegarão» (p. 82 e fim de capítulo).
Aliás, uma das características deste livro é aquilo que eu designaria como um «efeito planante».
Com efeito, se o enredo se articula em pequenas situações sequenciais, em pequenos quadros cuja acção vamos percebendo à medida que os capítulos avançam, o facto é faz parte das virtudes deste livro o deixar muitas coisas em suspenso — imagino que aqui estará a analogia principal da narrativa com a própria vida, sempre tecida do previsível e do imprevisível —, proporcionando um interessante efeito do ponto de vista do leitor, que é assim convidado a participar com a sua própria enciclopédia de vida na identificação das situações que a narrativa lhe vai trazendo.
Neste sentido direi que se trata de um livro que aposta na partilha de uma comunidade que se funda na memória — mais um aspecto da tal contracorrente dos tempos que anteriormente referi.
E, para concluir, direi, pois, que estamos na presença de um livro rico no seu conteúdo e que é agradável de ler (seja pela maneira como os capítulos estão divididos e sequenciados, seja pela sua pequena extensão, seja, ainda pelo encadeado da narrativa e pelas próprias características literárias do texto).
Por outro lado, penso que se trata de uma obra literária que cumpre a sua verdadeira função: mergulhar-nos pela via do enredo narratológico numa reflexão sobre os tempos e sobre a posição de cada um no labirinto da vida que lhe é dado percorrer.

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